domingo, 27 de novembro de 2011

TRAVESSIA NATAL – TRINIDAD

Com bastante atraso, devido a problemas no motor do Amazonas, zarpamos de Natal às 23:30 horas de uma quinta-feira, por conta daquela superstição de que navegador não sai do porto numa sexta-feira, porque dá azar. Estatisticamente isso não é comprovado, mas, por via das dúvidas…

O potente motor do Amazonas (400 HP), agora funcionando, nos levou para fora da barra que, comumente, é bastante complicada, com corrente forte e ondas altas. E, nesta ocasião, não foi diferente.

Quatro ou cinco horas após a saída de Natal, o motor, novamente, desligou. E não ligou mais. Então, o jeito foi levar o barco somente na vela e o vento estava ajudando, levando-o numa velocidade entre 5 e 8 nós.

No segundo dia de navegação, o vento diminuiu sensivelmente. Não possuía a força necessária para empurrar um barco de 40 toneladas. O que ajudava era uma forte corrente a favor. A força desta corrente, que chegava a 3 nós, nos impressionou, pois não é usual esta velocidade. 

No dia 1º de novembro, aproando para Illes de Salut, na Guiana Francesa. às 22;41 hs, numa velocidade de 4.5 nós, cruzamos a linha do equador. A velocidade até que estava alta, pelos padrões que estávamos vivenciando.
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Aproamos para Illes de Salut, pois precisávamos telefonar e lá, sabíamos que que haveria sinal.

Ao cruzarmos por um pesqueiro, próximo à divisa com a Guiana Francesa, conversei pelo rádio com um pescador que  informou que a força daquela corrente, realmente, não é comum. Chamam de “corrente de lua” e ocorre poucas vezes por ano. Efetivamente, a lua estava em quarto-crescente, quase cheia. Informou também que aquela corrente iria para além das guianas, o que, realmente, ocorreu.

Estranho ou não, esta corrente é que salvou a pátria. Sem ela, acho que ainda não teríamos chegado. Se Eolo nos sacaneava, Netuno dava uma mãozinha.

Devido à lentidão do deslocamento, a faina a bordo era tranqüila. O Eduardo e o Dudu atendiam as necessidades do barco e eu cozinhava. Também devido á lentidão, o pão acabou. Então, o Eduardo começou a fazer tapioca. E fazia com maestria nordestina. Tapiocas recheadas com salame, queijo, tomate, presunto... o que estivesse disponível. Os ensinamentos gastronômicos de Lucia, do Veleiro Avoante, foram de grande valia.

O marinheiro do Amazonas era o Dudu, um gaúcho de Porto Alegre muito afeito às tradições gaúchas. Chimarrão e musica gaudéria rolavam a bordo.


Certo dia, soltou a manilha da parte superior da genoa principal. Alguém deveria subir no mastro para a troca. Quem? O Dudu! Pois não é que o rapaz me aparece vestindo uma bombacha para subir no mastro? Olhei para aquela figura sem esconder a curiosidade. Bombacha num veleiro é, no mínimo, estranho. Aí ele explicou que vestia a bombacha para proteção, porque, se escorregasse no mastro, a vestimenta protegeria as “partes”. Taí, ó! Cultura gaúcha aplicável às lidas náuticas.

Este aí é o Dudu, cevando um mate…
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Durante um temporal (foram três ou quatro durante a travessia) a genoa invertida, ao ser içada, rasgou. Para os que não conhecem o Amazonas, explico: na proa, são utilizadas quatro velas, a genoa de proa, uma buja, a genoa invertida e a genoa grande. E a genoa invertida é invertida porque  é armada invertida. Entenderam?

Como o mar estava calmo, e o vento também, o Eduardo aproveitou para costurar a genoa invertida, utilizando uma agulha e fio dental. A costura ficou assim, meio tipo Frankstein, mas resistente. Nada que um silvertape não escondesse!

Olha ele aí costurando…
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No 18º dia de navegação, à tardinha, chegamos à Ilha de Trinidad com este visual do por do sol.


 Programamos para entrar no Golfo de Pária pela Boca de Huevos, que é uma das três entradas para o golfo. É essa daí…DSCF1324

Quem disse que dava para entrar? Com vento insuficiente a favor e corrente contrária, devido à maré, ficamos parados. O veleiro ficou aproado para a Boca mas não andava. O vento empurrava e a maré segurava. O speed marcava 0/0,5,  às vezes 1 nó. Navios, ferry-boats e outras embarcações saindo pela boca e nós ali parados. 


Acendíamos as luzes dos mastros para iluminar as velas para dar mais visibilidade ao veleiro. Um navio que saía estava no nosso rumo. Chamei pelo rádio e expliquei que a embarcação estava sem controle, então ele desviou. Foi assustador. Ou, como dizem os gaúchos, foi um “cagasso”. (não sei se com dois ss ou ç, mas foi mesmo!)

E, falando em gaúcho, lá pelas tantas deu fome no pessoal, então o Dudu, aquele da bombacha, foi para o fogão fazer tapioca. Um gaúcho de CTG, daqueles que só comem costela gorda e picanha, fazendo tapioca!!! Ficamos esperando para ver no que dava. E não é que o gaudério acertou? Isso que não fez o curso de gastronomia nordestina com a Lúcia.


Sugerimos que ele, na próxima Semana Farroupilha, instale uma tenda para vender tapioca em Porto Alegre. 

Olha ele aí manejando a tapioca…sem as bombachas…
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Lá pelas tantas, fui dormir um pouco. Quando amanheceu, fui acordado pelo Eduardo que berrava: entramos…entramos…Levantei e vi uma cena fantástica. O Eduardo e o Dudu colocaram o bote de apoio na água – com motor de 15 hp – e o Dudu, pilotando o bote, rebocava as 40 toneladas do Amazonas. E deu certo. A corrente já não era contrária, pois a maré estava mudando e andávamos a 1,5/ 2 nós. Mas andávamos para a frente.


Olha aí o reboque…
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Quando já estávamos no Golfo de Pária,  mar calmo, o bote foi amarrado no costado do Amazonas, o que proporcionava melhor manobrabilidade. 
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Assim conseguimos chegar em Chaguaramas e colocar o veleiro numa poita.

Amazonas apoitado, foi uma explosão de alegria. Extravasamos! 


Vale aqui fazer uma referência ao Veleiro Amazonas. Todos os transtornos pelos quais passamos, devido a falta de motor e de vento, foram compensados pelo conforto da embarcação. Suas quatro suítes, seu amplo salão, sua bem montada cozinha, com freezer fogão de quatro bocas e duas geladeiras, ar condicionado em todos os cômodos, funcionando graças a um potente gerador, nos proporcionaram grande conforto. Uma cabine interna de comando, com grande área envidraçada, nos permitia perfeita visão e protegia da chuva. É aquele tipo de veleiro que lamentamos quando temos que desembarcar. É, realmente, um sonho de consumo. 




quarta-feira, 16 de novembro de 2011

RETORNANDO AO CARIBE. – NATAL.

10/10/2011
Hoje iniciei o retorno ao Caribe, mais precisamente para Curaçao, onde está o Guga Buy. Embarquei em Florianópolis num vôo para Natal, onde estava o Eduardo me aguardando. O Eduardo foi contratado pelo proprietário do  Amazonas III, para levar o veleiro até o Caribe, justamente para Curaçao. Então, ao invés de eu ir direto para Curaçao por via aérea, resolvi acompanhar o Eduardo e ajuda-lo na travessia e, também, para curtir uma navegação num veleiro de 74 pés. Que, aliás, é bem interessante.

O vôo para Natal teve uma curiosidade. De São Paulo para Natal, a aeronave foi comandada por uma mulher. Eu nunca havia voado em aeronave comandada por mulher. Pedi para fotografa-la e, após o pouso em Natal, ela concordou, com a condição de que fosse fotografada ao meu lado. Concordei, todo exibido…! A Comandante Fernanda, uma linda jovem, é filha de um velejador que está dando a volta ao mundo. Já descobrimos algo em comum: o apreço pela vela. Mostrou-se muito habilidosa na condução da aeronave, (claro! senão não seria comandante) pois foi um vôo muito tranquilo, notava-se, claramente, que as turbulências eram amenizadas.
Olha ela aí…

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Em Natal, o Eduardo me aguardava no aeroporto com um carro alugado. No  caminho para o Iate Clube do Natal, li meus e-mails no iPhone e lá já estava um convite do amigo Nelson, do veleiro Avoante, de Natal, para participar, à noite, do “café dos velejadores”. É que, nas segundas-feiras o Iate Clube está fechado e, para evitar a lugubridade de um clube fechado, os velejadores locais, mais os que estão de passagem, reúnem-se à tardinha para um café, onde cada um leva algum quitute. Aí, vira festa. E, todas as quartas-feiras, ocorre o encontro de velejadores, quando, geralmente, alguém profere alguma palestra. Depois, comer e beber.
As fotos abaixo foram surrupiadas do blog do Avoasnte
café da segundona (12)

Falando em festa, o Iate Clube do Natal é um caso à parte neste item. Todo santo dia tem festas,  - ou reuniões etílico-gastronômicas, se preferirem, -  sempre capitaneadas, ou incentivadas, pelo casal  Nelson e Lucia, do Avoante. Os velejadores que lá estão de passagem unem-se aos velejadores locais e, dá-lhe comer e beber. Ficamos no clube, por conta de problemas no motor do Amazonas, até dia 27 de outubro.

Para terem uma idéia da quantidade e diversidade gastronômica que foi praticada, nós, do veleiro Amazonas, fizemos um costelão, a Lucia do veleiro Avoante fez paçoca com feijão verde, a baiana Catarina, do veleiro Maruja, fez caruru com vatapá, a paulista Paula, do veleiro Andante, fez bolinhos de bacalhau numa noite e seu marido Fernando, bacalhau ao forno em outra noite, o capixaba Franco, do veleiro Wa Wa Too, fez um bobó de camarão.
costela gaucha (26)noite baiana (8)
bolinho de bacalhau do andante (6)

O casal Elder Monteiro e Dulce, diletos amigos, organizaram uma festa para nossa despedida, na sua casa. Nos chamam, a mim e meu filho Eduardo, de Zanellão e Zanellinha. Chegando lá, deparamos com uma farta mesa de quitutes, sobressaindo-se um pernil defumado, regados a uma diversidade etílica de causar inveja: espumantes, vinhos, cachaças, cervejas, até água e refrigerantes… Ah!, e um indefectível charuto, pois o Elder também é do ramo.
Uma banda de um sobrinho do Elder tocou a noite toda. Maior festa!!!

E eu, terminando de convalescer de um problema de saúde. Dane-se!!

Com este clima, não é fácil sair de Natal. Mas, como nosso tempo e nosso destino já estavam definidos e estávamos atrasados, quando o motor do Amazonas funcionou  levantamos âncora, não sem uma tristeza invadindo nossos corações.